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Um panfleto de idéias, arte e filosofia....

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Santo Agostinho

Sem a fé a razão é incapaz de promover a salvação do homem e de trazer-lhe felicidade. A razão funciona como auxiliar da fé, permitindo esclarecer, tornar inteligível, aquilo que a fé revela de forma intuitiva. A grande questão discutida pelos intelectuais da Idade Média é a relação entre razão e fé, entre filosofia e teologia.
Aurélio Agostinho, principal nome da patrística, ao lado de Tertuliano e São Justino (inclinando-se mais decididamente para a posição deste, uma vez que, o cristianismo era para são Justino uma continuação natural da filosofia grega) recorre à filosofia platônica, por intermédio do neoplatonismo de Plotino, para realizar uma síntese com a doutrina cristã, adaptando o pensamento pagão. Agostinho retoma a dicotomia platônica "mundo sensível e mundo das idéias", mas substitui este último pelas idéias divinas. Em relação ao platonismo, o posicionamento de Santo Agostinho não é meramente passivo, pois o reinterpreta para conciliá-lo com os dogmas do cristianismo, convencido de que a verdade entrevista por Platão é a mesma que se manifesta plenamente na revelação cristã. Assim, apresenta uma nova versão da teoria das idéias, modificando-a em sentido cristão, para explicar a criação do mundo. Deus cria as coisas a partir de modelos imutáveis e eternos, que são idéias divinas. Essas idéias ou razões não existem em um mundo à parte, como afirmava Platão, mas na própria mente ou sabedoria divina, conforme o testemunho da Bíblia.


Que a mesma sabedoria divina, por quem foram criadas todas as coisas, conhecia aquelas primeiras, divinas, imutáveis e eternas razões de todas as coisas antes de serem criadas, a Sagrada Escritura dá este testemunho: " No princípio era o Verbo e sem Ele nada foi feito." Quem seria tão néscio a ponto de afirmar que Deus criou as coisas sem conhecê-las? E se as conheceu, onde as conheceu senão por si mesmo, junto a quem estava o Verbo pelo qual tudo foi feito?"
(Sobre o Gênese, V, 29)


Vale a pena ressaltar a melhor obra puramente filosófica dos escritos de Santo Agostinho é o livro décimo primeiro das Confissões. As edições populares das Confissões terminam no Livro X, sob alegação de que o que se segue é desinteressante; é desinteressante porque é boa filosofia, e não biografia. O Livro XI trata do problema: tendo a Criação ocorrido como afirma o primeiro capítulo do Gênese, e como Santo Agostinho mantém contra os maniqueus, devia ter ocorrido o mais cedo possível. O primeiro ponto a observar, é que a Criação saiu do nada, como ensina o Antigo Testamento, como uma idéia inteiramente alheia à filosofia grega. Quando Platão fala de criação, imagina uma matéria primitiva a que Deus deu forma; e o mesmo ocorre em Aristóteles. Se Deus é um artífice ou arquiteto, mais do que um criador. A substância é considerada como eterna e incriada; somente a forma é devida à vontade de Deus. Contra essa opinião, Santo Agostinho afirma, como o deve fazer todo cristão ortodoxo, que o mundo foi criado não de uma certa matéria, mas do nada,. Deus criou a substância, e não somente a ordem e a disposição.
O conceito grego de que a criação partindo do nada é impossível, foi repetido, a intervalos, nos tempos cristãos tendo conduzido ao panteísmo. O panteísmo afirma que Deus e o mundo não são distintos, e que tudo no mundo é parte de Deus. Em sua argumentação dialética para provar a existência de Deus, Santo Agostinho desenvolve uma série de reflexões dentro desse pensamento para fazer-se melhor compreendido. Dentro dessa dinâmica, o problema do tempo tem como ponto de partida a existência de Deus e a criação do mundo.
Por que não foi o mundo criado antes? Por não havia o "antes". O tempo foi criado quando se criou o mundo. Deus é eterno, no sentido em que está fora do tempo; em Deus não existe antes e nem depois, mas só um presente eterno. A eternidade em Deus está isenta da relação de tempo; todo o tempo está presente para Ele simultaneamente. Ele não precede Sua própria criação do tempo, por isso implicaria que Ele estava no tempo, enquanto que Ele permanece eternamente fora da corrente do tempo. Isto leva Santo Agostinho a uma teoria relativista do tempo admirável!

Santo Agostinho para explicar que não havia possibilidade de existir tempo antes da criação do mundo, descreve sobre a superioridade de Deus em relação ao tempo e a inferioridade deste para com Aquele, que é bem explicitada na seguinte citação:

Como poderiam ter passado inumeráveis séculos, se Vós, que sois o autor de todos os séculos, ainda os não tínheis criado? Que tempo poderia existir se não fosse estabelecido por Vós? E como poderia esse tempo decorrer, se nunca tivesse existido?

O tempo é algo que mexe com todos e está na boca e no cotidiano de todas as pessoas. Como diz Agostinho, "que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo?".Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam". Contudo, quando queremos nos colocar a explicá-lo, já não mais o sabemos.
Forçado pela controvérsia com os maniqueus, Agostinho assume uma postura equilibrada e cautelosa diante do difícil enigma (implicatissimum aenigma-cf. Conf.,XI, 22, 28). Por isso, diante da pergunta ontológica: "o que é, por conseguinte, o tempo?" (Conf., XI, 14, 17), ele responde: Se ninguém me perguntar, eu sei; porém, se quiser explicar a quem me perguntar, já não sei" ( Conf., XI, 14, 17). Parece que somos levados aqui a contradições e a única maneira que Agostinho consegue encontrar para evitá-las é dizer que o passado e o futuro só podem ser considerados como presente: o "passado" tem de ser identificado com a memória, e o "futuro" com a espera , sendo a memória e a espera fatos presentes. Segundo ele, haveria três tempos ; "um presente das coisas passadas, "um presente das coisas presentes" e um "presente das coisas futuras". O pensamento de Agostinho analisa os três tempos não como sendo três, mas como um só tempo, pois o analisa como um tempo contínuo, e, sendo assim, classifica-os como um eterno presente.
Percebe-se que, com essa teoria, não resolveu realmente todas as dificuldades. "Minha alma anseia por conhecer este profundo enigma", diz, e roga a Deus para que ilumine, assegurando-lhe que seu interesse pelo problema não é devido somente a simples curiosidade. "Confesso-te, ó Senhor, que ainda ignoro o que é o tempo." Mas o ponto capital da solução por ele sugerida é o de que o tempo é subjetivo: o tempo está na mente humana, que espera, considera e recorda. Segue-se daí que não pode haver tempo sem um ser criado, e que falar de tempo antes da criação é coisa sem sentido.
No livro XI de suas "Confissões", as palavras de Agostinho sobre o tempo tornaram-se justamente célebres e sempre merecem ser citadas, até mesmo, pelo seu sublime valor metafísico e também pelo seu conteúdo moral: "O que é então o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se devo explicá-lo a quem me levanta a questão, não sei (Quid est ergo tempus? Si nemo ex me quaerat scio; se quaerenti explicare velim, néscio)". E continua sua meditação: "Mas de qualquer forma isto, pelo menos, ouso afirmar que sei: se nada houvesse ocorrido, não haveria tempo passado; se nada se aproximasse, não haveria tempo futuro; se nada há, não haveria tempo presente".
Outra vez nos encontramos envoltos na problemática do tempo e isso se torna notório quando continua Agostinho em sua meditação:"Mas os dois tempos, passado e futuro, como podem ser, uma vez que o passado já não é mais, e o futuro ainda não é? Por outro lado, se o presente sempre fosse presente e nunca fluísse para longe no passado, não seria tempo de modo algum, porém eternidade.


Referências Bibliográficas
1- Agostinho, Santo. Confissões, Os Pensadores Humano ( Trad. J. Oliveira e ª Ambrósio de Pina) Ed. Abril, São Paulo, 1973.
2- Russell, Bertrant. História da Filosofia Ocidental. 3 ed. vol 2.
3- Marcondes, Danilo. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein / Danilo Marcondes. - 5.ed. revista.- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
4-Curso de filosofia: para professores e alunos dos cursos de segundo grau e graduação / Antonio Rezende (organizador). - 13. ed.- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005 (AGOSTINHO, Santo. Confissões. Pág. 243)

terça-feira, 3 de maio de 2011

Universais e Particulares

Em metafísica, o termo "universais" aplica-se a dois tipos de coisas: propriedades (como a vermelhidão ou a redondez), e relações (como as relações de parentesco, ou relações espaciais e temporais). Os universais devem ser entendidos em contraste com os particulares. Poucos universais, ou nenhuns, são verdadeiramente "universais" no sentido de serem partilhados por todos os indivíduos — um universal é caracteristicamente algo que alguns indivíduos podem ter em comum, e outros não.
Os universais foram concebidos como coisas que nos permitem captar intelectualmente uma ordem permanente, subjacente ao fluxo inconstante da experiência. Alguns dos deuses das antigas mitologias correspondem aproximadamente a importantes universais subjacentes — relações sociais, por exemplo, como quando se diz que Hera é a deusa do Matrimónio e se diz que Ares (ou Marte) é o deus da guerra. Muitas tradições do oriente e do ocidente têm lidado com o problema subjacente que gera as teorias de universais; não obstante, o termo "universais" está intimamente ligado à tradição ocidental, e o programa foi na sua maior parte definido pela obra de Platão e Aristóteles.

O termo vulgarmente usado em referência a Platão não é "universais" mas "Formas" (ou "Ideias", empregue no sentido de ideais e não de pensamentos), remetendo o termo "universais" mais a Aristóteles que a Platão. Outros termos cognatos com universais incluem não só propriedades, atributos, características, essências e acidentes (no sentido de qualidades que uma coisa tem não por necessidade mas por acidente), espécies e géneros, e categorias naturais.

Como principal consequência da utilização do "método dos geômetras", Platão propõe que se afirme hipoteticamente a existência de "formas" ou "essências" ou "idéias", que seriam os modelos eternos das coisas sensíveis. Essas essências seriam incorpóreas e imutáveis, existindo em si mesmas. Embora Platão as chame também de "idéias", elas não existem na mente humana, como conceitos ou representações mentais: ao contrário, existem em si, nem nos objetos (de que são modelos), nem nos sujeitos (que conhecem esses objetos). Não podemos apreender com os sentidos essa essência ou "idéia" incorpórea e intemporal, pois nossos sentidos só captam o material, o dotado de alguma concretude, o que está no espaço e no tempo. Mas podemos alcançá-la com o intelecto: ela é inteligível.
A mais importante questão que devemos colocar seria a de perguntar enfim que socorro as idéias trazem para os entes sensíveis, quer se trate de entes eternos (astros) ou dos entes que sofrem geração e corrupção. Com efeito, elas não são para esses seres a causa de nenhum movimento e de nenhuma mudança. Também não trazem nenhum concurso para a ciência dos outros seres...nem para explicar a sua existência, pois não são nem ao menos imanentes às coisas que delas participam; se fossem imanentes, talvez pudessem assemelhar-se a causa dos seres, como o branco é a causa da brancura no ser branco, entrando em sua composição... . Por outro lado, os outros objetos não podem tampouco provir das idéias, em qualquer dos sentidos em que se entende ordinariamente essa expressão de. - Quanto a dizer que as idéias são os paradigmas e que as outras coisas participam delas, isso não passa do uso de palavras destituídas de sentido, e de metáforas poéticas. Onde então se trabalha com os olhos fixos na idéias? Pode acontecer, com efeito, que algum ser exista e se torne semelhante a um outro, sem que por isso tenha sido modelado a partir desse outro. ... Além disso, teríamos diversos paradigmas do mesmo ser e, por conseguinte, diversas idéias desse ser; por exemplo para o homem teríamos o animal, o bípede, e ao mesmo tempo também o homem em si. Além do mais, as idéias não serão paradigmas apenas dos seres sensíveis, mas também das próprias idéias, e , por exemplo, o gênero, enquanto gênero, será o paradigma das espécies contidas nele: a mesma coisa será portanto paradigma e imagem. E depois pareceria impossível que a substância fosse separada daquilo de que ela é substância. Como então as idéias, que são a substância das coisas, seriam separadas das coisas?      (Metafísica)
Argumento do Terceiro HomemVários argumentos têm sido avançados para estabelecer a existência de universais, o mais memorável dos quais é o argumento do "um em muitos". Existem também vários argumentos contra a existência de universais. Há, por exemplo, vários argumentos regressivos derivados do chamado "argumento do terceiro homem" de Aristóteles contra Platão. Outra família de argumentos explora o que é conhecido como Navalha de Ockham: argumenta-se que podemos dizer tudo o que precisamos de dizer, e explicar tudo o que precisamos de explicar, sem recorrer a universais; e se podemos, e se somos racionais, então devemos fazê-lo. Quem acredita na existência de universais chama-se realista, quem não acredita chama-se nominalista.
Aristóteles alude várias vezes a um argumento assim denominado, contrário à doutrina platônica das idéias, dando-o por conhecido, portanto deixando de expô-lo (Met., I, 9, 990 b 17; VII, 13, 1039 a 2; El. sof, 178 b 36). Segundo Alexandre de Afrodisia (In met, I, 9), esse argumento consistiria em dizer que, uma vez que um homem individual é semelhante ao homem ideal, deve existir um "terceiro homem" do qual os dois participem. Mas esse é o argumento aduzido contra a doutrina das ideias de Platão, que no entanto não menciona o exemplo do homem (Parm., 132a).
Alexandre, porém, menciona também outras formas desse argumento do terceiro Homem. Vejamos:
1) Uma delas é a usada pelos sofistas: quando dizemos "o homem está passeando", não estamos falando nem da idéia de homem (que é imóvel), nem de um homem em partiicular; devemos então estar falando de um homem de uma terceira espécie.
2) Fânias, discípulo de Aristóteles, em seu livro contra Diodoro Cronos, atribuía ao sofista Polixeno o seguinte argumento: se o homem existe por participar da ideia de homem, deve haver algum homem que possua o seu ser em relação com a ideia; mas não será nem a própria ideia, nem o homem em particular. Finalmente, o próprio Alexandre nota que o argumento do terceiro homem, exposto na primeira forma, pode ser repetido ao infinito, porque a relação entre terceiro homem, por um lado, e ideia do homem particular por outro pode dar lugar ao quarto e quinto homem, e assim por diante.

Como Platão expõe o argumento por meio de Parmênides, contra a interpretação da doutrina das ideias que estabelece uma separação nítida entre ideias e as coisas, é provável que esse argumento fosse corrente na própria escola platônica; sua origem, porém, parece ser megárica ou sofistica (cf. a nota de W. D. Ross a Met., I, 9, na edição de Metafísica por ele organizada, bem como a nota de DIES a Parmênides, em Coll. des Univ. de France, VIII, p. 21). [Abbagnano]

Argumento do terceiro homem, feito contra Platão, é exposto assim: Os objetos grandes são grandes porque participam da grandeza. Mas juntando-se todos os objetos grandes mais a grandeza, tudo isso, que é grandeza, assemelha-se ou participa de uma outra forma da grandeza, que inclui a primeira e os objetos grandes. E se juntarmos estes e mais as duas grandezas, participam eles de uma outra forma da grandeza, maior ainda que as anteriores, e assim ao infinito. O mesmo se daria com os homens que participam da humanidade, mas aqueles juntos a esta, participam de outra humanidade e, assim, sucessivamente.

Considerações finais

Contudo, é evidente o sofisma, pois a conjunção dessa multiplicidade é feita noeticamente (no espírito humano). A forma da grandeza não é da mesma natireza que as coisas grandes e, portanto, a sua reunião não acrescentaria nenhuma grandeza maior, como se pretende, por considerar fisicamente a forma, o que aliás é o esquema sempre presente em suas críticas. A natureza das formas é meramente eidética, sem dependência dos esquemas noéticos.


 
 
  Re
ferências Bibliográficas

1- Chauí, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles, volume I / Marilena Chauí. - 2.ed., rev. e ampl. - São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 
3- Curso de Filosofia: para professores e alunos dos cursos de segundo grau e graduação / Antonio Carlos Rezende (organizador). - 13.ed. -Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

Crítica de Aristóteles a Platão

A doutrina das idéias de Platão

Universais em Platão e Aristóteles

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Descartes e sua época

Em 31 de março de 1596 nasce na França, em pleno século do Renascimento, René Descartes, em La Haye (atual Descartes), perto de Tours, na casa de sua avó materna, sendo o terceiro filho sobrevivente de Joachim Descartes, conselheiro do Parlamento da Bretanha, e de Jeanne Broachard. De família nobre, aos 8 anos é enviado para o Colégio Jesuíta La Flèche, em Paris. Foi um brilhante aluno e terminou o secundário em 1612. Em 1615 - 1616 cursa Direito e talvez um pouco de medicina na Universidade de Poitiers, obtendo seu bacharelado e licenciatura em direito civil e canônico em novembro de 1616. Alistou-se nas tropas holandesas de Maurício de Nassau em 1618, onde trava conhecimento com Isaac Beeckman, que reaviva seu interesse nos assuntos científicos, nesse momento entra em contato com a nova física copernicana. Lutou na Guerra dos Trinta Anos e teve que retornar a Paris para receber a herança da mãe, onde frequentou os meios intelectuais. Dedicou-se ao estudo da filosofia, com o objetivo de conciliar a nova ciência com as verdades do cristianismo. Em 1629, foi para Holanda para evitar problemas com a Inquisição e empenhou-se no estudo da matemática e da física. Seus estudos de filosofia são retomados em meados de 1637, onde escreveu muitos livros e cartas, sendo famosas as cartas filosóficas à princesa Elisabeth ( Alemanha) e à rainha Cristina da Suécia. No fim de fevereiro de 1649 é convidado a ir à Suécia, para visitar a Rainha Cristina. Não suportando o rigor do inverno, aí morre de pneumonia um ano depois (1650).
Descartes deixou uma vasta obra e seus livros mais acessíveis são O discurso sobre o método e As meditações metafísicas. Todos seus livros foram proibidos - colocados no Index - pela Igreja em 1662.
A França de Luíz XIV vivia uma época de instabilidade e de pertubações políticas e sociais. A nova física de Galileu (adotou o sistema Copérnico) põe radicalmente a concepção aristotélica do cosmo e desafia a autoriadade da Igreja. Houve a divisão entre católicos e protestantes com a Reforma e muitos são os partidários do ceticismo de Montaigne. Filósofos e cientístas ficaram amedrontados com a condenação de Galileu pelo Santo Ofício. Descartes, ao mesmo tempo homem da ciência e crente sincero, tenta mostrar que não há incompatibilidade entre as verdades da ciência e as verdades da fé cristã.
Fundador da Filosofia ModernaPode-se dizer que com Descartes a filosofia volta a estaca zero, sendo o fundador da filosofia moderna, uma vez que, ele vai firmar novas posições em relação a como conhecer e porque conhecer as coisas. No seu tempo, os céticos e todos aqueles que eram contra a igreja e contra a ciência queriam fundamentar o seu conhecimento por meio do "não conhecimento", ou seja, da dúvida. No entanto, essa dúvida estava baseada não em certeza científica mas no simples fato de duvidar por duvidar das coisas. Se duvidavam da existência de Deus, da justiça, da virtude, do amor e todos os elementos não matemáticos. René, que tinha estudado matemática, aplicou o método de conhecimento matemático, da precisão científica da matemática, dentro da área de humanas.
No inverno de 1619 chegou a sonhar por três noites seguidas que sua vocação seria reformar a ciência. Ele percebe que todo conhecimento que foi formulado e ensinado a ele até então deveria ser posto a prova , é o que chamamos hoje de dúvida metódica (Dubtatum Dubitandum) ou a dúvida cartesiana. Descartes não duvida da existência daquilo que se afirma como real, mas irá duvidar da possibilidade do conhecimento.
O racionalismo cartesiano pode ser definido como a doutrina que, por oposição ao ceticismo, atribui à razão humana a capacidade exclusiva de conhecer e de estabelecer a verdade, sendo esta independente da experiência sensível, posto ser ela inata, imutável e igual em todos os homens.
Descartes duvida da possibilidade do conhecimento que nesse período é formulado por meio da razão e dos sentidos, ou seja, o conhecimento cognoscente (daquele que conhece) e o cognoscível (daquele objeto que é conhecido). Tem -se o questionamento de Descartes; Será que posso aplicar essa certeza matemática a áreas não matemáticas? Por exemplo, no conhecimento de Deus? Os sonhos são formas de pensamento?
Em sua teoria tem-se a idéia de um gênio ruim (anjo mal ou Deus enganador), ou seja, quando durmo se estou pensando ao sonhar algo, esse algo no meu sonho pode ser tão real que posso me assustar e ter taquicardia (os sonhos parecem realidade). Na visão de René Descartes, estou enganado daquilo que estou pensando enquanto durmo. Esse ato de ser enganado é um gênio ruim que faz com que eu pense que estou pensando e a partir de então, me engano, não quer, não deseja que eu pense. Se ao pensar, sou enganado, então é porque penso. Daí surge a primeira certeza de Descartes "Penso, logo existo."
O homem é um animal essencialmente racional. No início de seu Discurso sobre o método, ele afirma a igualdade, de direito, do bom senso ou a razão; todos nós possuímos a razão, ou seja, essa capacidade de bem julgar e de discernir o verdadeiro do falso. Nem todos os homens, porém, utilizam corretamente sua razão. Havendo a necessidade de um método, de um caminho certo e seguro.

O bom senso é o que existe de mais bem distribuído no mundo. Porque cada um se julga tão bem-dotado dele que mesmo aqueles que são mais difíceis de se contentar com qualquer outra coisa não costumam desejar possuí-lo mais do que já têm. E não é verossímil que todos se enganem a esse respeito. Pelo contrário, isso testemunha que o poder de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina bom senso ou razão, é naturalmente igual em todos oos homens;e que, por isso, a diversidade de nossas opiniões não provém do fato de uns serem mais racionais do que os outros, mas somente do fato de conduzirmos nossos pensamentos por vias diversas e de não considerarmos as mesmas coisas.
                                                                                                                        (Discurso sobre o método , 1)

O método cartesiano pode ser dito então como, "o exame dos fundamentos do pensanmento humano" que tem por objetivo conduzir bem a razão, procurar a verdade nas ciências e está baseado na teoria de Descartes em quatro princípios ou regras fundamentais:
a) regra da evidência - onde tem-se a eliminação completa da dúvida
b) regra da análise - divide-se cada problema que se estuda em tantas partes menores para melhor resolvê-las. Decomposição do problema do complexo em partes elementares.
c) regra da síntese - conduzir com ordem meus pensamentos começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de se conhecer para elevar-se pouco a pouco como por degraus até o conhecimento dos mais complexos (conhecimento do particular para o universal).
d) regra do desmembramento (verificação) - estabelecer um controle efetuado mediante a enumeração completa dos elementos analisados e a revisão das alterações siintéticas.
Em suma para proceder com retidão em qualquer pesquisa é preciso repetir o movimento de simplificação e ordenamento típico do conhecimento geométrico. Com esse método tem-se a evidência racional por meio da análise, da síntese e do controle. Para Descartes o simples não é o universal da filosofia tradicional, assim como a intuição não é a abstração (intuição não é conhecimento), a filosofia não é mais a ciência do ser e sim a doutrina do conhecimento (teoria do conhecimento) a gnosiologia. Existem apenas dois tipos de substâncias claramente distintas e irredutíveis uma à outra, o Rex Cogitan (ser pensante) onde pensar e ser são a mesma coisa e o Rex existensa (ser pensado), o mundo material no qual se pode compreender ou conhecer algo ainda que de forma limitada.Obras do autor e sua temática central
Meditações Metafísicas - Das coisas que se podem colocar em dúvida
Descartes apresenta uma estratégia de refutação do ceticismo, interpretado como a negação da possibilidade do conhecimento. Tem-se o questionamento dos sentidos como fonte confiável de conhecimento, o argumento do sonho e da ilusão, que coloca em dúvida nossas impressões sensíveis porque quando sonhamos ou nos iludimos elas parecem verdadeiras, e, finalmente, o que se pode considerar a contribuição de Descartes à argumentação cética, a dúvida hiperbólica, ou exagerada: o argumento do Deus enganador. Descartes imagina um ser todo poderoso que interfere sistematicamento em nosso processo de conhecimento de tal forma que não possamos ter certeza de nada.
Meditações Metafísicas - O argumento do cogito
O argumento do cogito é a saida de Descartes para o impasse o qual argumenta do Deus enganador. Se a existência do Deus enganador nos leva a colocar tudo em dúvida, já que não podemos ter certeza de nada, então tudo o que nos resta é precisamente a dúvida. A dúvida é uma forma de pensamento , portanto duvidar é pensar. Isso mostra que a existência do pensamento não pode ser colocada em dúvida, já que duvidar é pensar. Mas, se há pensamento, há o ser pensante. Este o sentido fundamental da famosa fórmula "Penso, logo existo" (Discurso do método, IV). A existência do ser pensante é assim, para Descartes, a primeira certeza, a certeza indubitável, uma evidência que resiste a qualquer dúvida cética, até mesmo à mais radical. O argumento do cogito apenas prova a existência do ser pensante.
Discurso do Método - A formação do filósofo
Descartes critica tudo aquilo que aprendeu na escola, uma vez que, não repousava me fundamentos ou princípios sólidos. Para se fundar na certeza, o conhecimento deve começar pela busca de princípios absolutamente seguros.
Discurso do Método - As regras do método
Descartes formula suas regras do método científico, são quatro e bem objetivas. No lugar das regras complexas e intricadas do método dedutivo aristótelíco, da teoria do silogismo, ele prefere as quatro regras simples mas que devem ser seguidas à risca. Irei apenas citá-las, uma vez que, já foram esclarecidas acima. São elas:
a) regra da evidência
b) regra da análise
c) regra da síntese
d) regra do desmembramento (verificação)
 Discurso do Método - A moral provisória
Descartes apresenta regras de uma moral provisória, que devemos adotar até que uma verdadeira ciência da moral, baseada na investigação da natureza humana, fosse desenvolvida. Não elabora regras de conduta universair e nem pretende ser um reformador. Estava preocupado com o aperfeiçoamento individual capaz de levar os indivíduos a fazerem uma justa apreciação dos bens. Nessa hierarquia dos bens, o lugar supremo conferido à liberdade, não ao saber. " Não basta julgar bem para agir bem", diz ele, porque a moral não deriva apenas do conhecimento.
 Considerações finais
Um dos grandes legados do cartesianismo consiste na rejeição de toda e qualquer autoridade, no processo do conhecimento, distinta da Razão. Ele proclama a independência da filosofia, que, de agora em diante, deve submeter-se apenas à autoridade da Razão. Devem ser excluídos dogmas religiosos, os preconceitos sociais, as censuras políticas e os dados fornecidos pelos sentidos. Só a Razão conhece!
A filosofia de René Descartes é eminentemente crítica e, o método para solucionar o problema crítico é a dúvida. O racionalismo cartesiano utiliza o método detutivo e tira sua metodologia das matemáticas,ou seja, nas ciências da natureza. Trata-se de uma filosofia decididamente prática, na medida em que nos leva compreender que a inteligência das coisas, a partir de seus verdadeiros princípios, fornece-nos os meios de dominá-las. Temos o poder de prever o futuro e dominar a natureza por nossas ações. Nossa condição no mundo transformou-se: não somos mais escravos da natureza. Pelo contrário, somos seus "mestres possuidores".
 
 
 
Bibliografia:
1- Descartes: a filosofia da mente de Descartes / John Cottingham; tradução de Jesus de Paula Assis. - São Paulo: Editora UNESP, 1999. 55p - ( Coleção grandes filósofos)
2- Descartes: uma biografia intelectual / Stephen Gaukroger; tradução, Vera Ribeiro. - Rio de Janeiro: EdUERJ: Contraponto, 1999. 596p
3- Descartes; Um legado científico e filosófico/ Saul Fuks, organizador; Peter Mclaughlin...[et al.]. Rio de Janeiro: Relume Dumará: COPPE, 1997. 251p
4- Curso de Filosofia: para professores e alunosdos cursos de segundo grau e de graduação / Antônio Rezende (organizador). - 13.ed. - Rio de Janeiro; Jorge Zahar Ed, 2005. 311p
5- Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein/ Danilo Marcondes. - 5. ed. revista. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. 183p

domingo, 1 de maio de 2011

A teoria política hobbesiana

As doutrinas políticas existentes não estavam solucionando o problema do entendimento entre os homens, ou seja, garantindo a efetividade de sua convivência pacífica em sociedade. Thomas Hobbes constatava as devastações produzidas pela guerra civil na Inglaterra e concluía que as lutas fratricidas resultavam de um poder político que não era reconhecido como legítimo por todos.
O filósofo inglês acreditou que a solução seria aplicar o método da Matemática que propicia conclusões certas e indiscutíveis ao contrário das ciências morais que produzem apenas controvérsias infindáveis. Partiu da suposição de que a formulação de uma teoria política baseada em fundamentos lógico-racionais poderia estabelecer a paz social. O autor de O Leviatã irá, portanto, aplicar o método lógico-dedutivo a fim de demonstrar a necessidade de um poder absoluto para eliminar os conflitos existentes.
Hobbes inicia a sua argumentação com a premissa de que no estado de natureza todos os homens são movidos pelo instinto de conservação. A luta pela sobrevivência instaura a guerra de todos contra todos.
O medo da morte violenta associado à consciência de que é mais vantajoso viver no estado civil (instinto de conservação + razão) produz no homem o desejo de viver em paz.
Desta forma, de livre vontade, visando apenas o interesse próprio de conservação, os homens chegam, então, a um acordo. Todos irão renunciar aos seus direitos naturais e submeter-se integralmente a um poder soberano.
A função do soberano é assegurar que todos respeitem o contrato social e, dessa forma, garantir a vontade de todos que é a paz e a segurança individual. Para desempenhar bem esta função, o soberano deve exercer um poder absoluto, sem estar subordinado a ninguém; e nem mesmo a uma Carta Magna. Só dessa forma seria possível subjugar os interesses particulares, o individualismo cada vez mais acirrado presente na sociedade de relações mercantilizadas, o qual colocava em xeque o interesse geral, isto é, a convivência pacífica dos homens.
Através deste raciocínio lógico-dedutivo, desta construção do pensamento, chega-se à justificação do poder absoluto, do poder inquestionável. O poder soberano é legítimo, enfim, porque:
a) é constituído a partir da vontade livre de indivíduos livres e iguais; e de comum acordo, ou seja, do consenso.
b) assegura o interesse de todos que é viver em paz, com segurança, livre do medo da morte repentina e violenta.
Se o poder soberano não conseguir realizar o interesse de todos, isto é, a obediência de todos ao contrato social, pode vir a ser deposto por uma rebelião. Concluir-se-á, nesse caso, que o soberano não era legítimo.
Por que Hobbes defende o absolutismo
A instauração da era moderna é desencadeada pela expansão do comércio que dá origem a uma poderosa classe burguesa ao mesmo tempo em que promove a avidez consumista da nobreza.
Estas classes passam a se orientar por uma nova ética, individualista e instrumental, que justifica a busca do interesse privado pelo indivíduo sem se importar com os interesses da coletividade. O calvinismo e as idéias dos pensadores modernos irão fundamentar esta nova ética revolucionária, de fundo mercantil.
Essa nova ética dos tempos modernos gera uma energia social fabulosa que transformará a face do planeta. Mas, ao mesmo tempo, irá produzir muita miséria, violência e destruição.
O indivíduo que despontava na era moderna — livre dos grilhões estabelecidos pela ética católica — encarnado na figura do comerciante, banqueiro e proprietário de terras, estava convulsionando a ordem social, destruindo valores morais comunitários, favorecendo a ocorrência de guerras civis, expulsando os camponeses das terras, explorando os mais fracos, saqueando as terras descobertas.
A propriedade da terra, por exemplo, estava deixando de ser a suposta fonte destinada ao bem estar da comunidade para se tornar fonte de acumulação de riquezas de indivíduos particulares. Era para Hobbes, certamente, um imenso escândalo ético considerar a terra, — que era um bem sagrado da comunidade —, uma mercadoria como outra qualquer, passível de ser vendida e comprada livremente apenas para atender a interesses privados de indivíduos em prejuízo de milhares de camponeses que ficavam sem trabalho. A garantia da propriedade para todos era fundamental, segundo Hobbes, para a paz social.
A divisão do poder soberano entre o monarca e o parlamento não pode, segundo Hobbes, garantir a estabilidade política e social. Pelo contrário, fomentaria a eclosão da guerra civil.
O conflito político crucial da Inglaterra naquele momento é definido pelo interesse do rei em consolidar o poder absoluto e pelo interesse da burguesia em conquistar o poder político a fim de garantir seus interesses econômicos, livre das decisões arbitrárias do monarca.
A solução antevista por Hobbes é o poder absoluto. A partir de 1640, Hobbes passou a estar a serviço do rei, Carlos I, na luta contra os interesses burgueses presentes no Parlamento.
O Estado nacional, concebido, em tese, para a defesa do interesse público, estava se tornando, com a divisão de poderes, um instrumento da burguesia e dos grandes proprietários de terra para, através do parlamento, defender seus interesses privados, cada vez mais poderosos.
O poder soberano absoluto, segundo Hobbes, poderia expulsar da sociedade aqueles que se esforçassem por guardar coisas que para eles fossem supérfluas enquanto outros sofressem da sua carência e privação. O soberano é que deveria ficar encarregado de distribuir as terras do país em nome da eqüidade e do bem comum.
O poder absoluto seria necessário enfim para impedir os abusos e a violência cometida pelos mais fortes contra os mais fracos porque isso poderia desagregar a sociedade e destruir a paz civil. O Estado absoluto, o Leviatã, deverá ser o monstro bíblico cruel que protegerá os peixinhos miúdos contra a ameaça dos tubarões graúdos que desejam devorá-los.
Significado histórico da teoria política de Hobbes
O trabalho teórico de Hobbes está vinculado à preocupação com a formação do Estado nacional. E, mais particularmente, com a constituição do governo soberano, com a centralização do poder político.
O autor de O Leviatã inaugura uma discussão dentro da teoria política que é a da legitimação racional do poder. Em outros termos, a legitimação racional da obediência do indivíduo ao Estado.
Hobbes detecta a força social que despontava na era moderna e que estava convulsionando a Europa: o indivíduo autônomo que luta apenas pelos seus interesses materiais particulares encarnado na burguesia nascente cada vez mais poderosa. Como controlar essa força social revolucionária que parecia desagregar os fundamentos da vida em sociedade?
O autor, na verdade, funda a visão moderna de Estado. As leis e o governo não têm a função de realizar a síntese dos interesses particulares dominantes na sociedade mas garantir apenas um interesse comum: a paz e a segurança individual. E para poder realizar este interesse comum o poder político precisa ser autônomo em relação a todos os interesses particulares.
Se o Estado garantir a segurança individual, cada um pode ser livre para fazer o que bem entender em sua vida privada — seguir a religião que julgar a verdadeira, a ideologia que considerar a correta, votar no partido que quiser, escolher a profissão que for de seu agrado, ir morar onde preferir. Antecipa-se assim a tese liberal de que o jogo do mercado é que deve regular as relações sociais e não o Estado.
E Hobbes lança uma idéia que vai se constituir no fundamento da democracia: o poder político legítimo é aquele que se institui a partir do consenso, do consentimento de todos, visando realizar o interesse comum de toda a sociedade. Ou seja, Hobbes promove uma revolução: não é mais o indivíduo que existe em função do Estado, mas é o Estado que deve existir em função do indivíduo. E mais que isso, o Estado e a Sociedade são fundados e ordenados a partir da vontade livre de indivíduos.
Hobbes insinua um outro fundamento do Estado nacional. Dentro de um território nacional, os indivíduos vivem juntos não em razão de uma cultura, costumes, tradições, religião, visão de mundo, língua, raça, etnia ou uma meta ideológica e política comum. Mas podem conviver pacificamente, apesar das desigualdades sociais e das diferenças existentes, pelo simples fato de que todos estão subordinados a regras comuns, a direitos, deveres e obrigações comuns.
Na teoria de Hobbes percebe-se o fundamento essencial do Estado: a segurança individual, o desejo comum de viver em paz como aquilo que possibilita a convivência de indivíduos desiguais em sociedade.
A idéia de que o Estado e a sociedade nascem a partir da vontade livre de indivíduos que estabelecem contratos entre si é uma idéia que exprime os tempos modernos. Hobbes fundamenta o poder político a partir de uma lógica instrumental individualista própria do novo espírito burguês nascente, apesar de reagir, em termos políticos, contra este novo espírito. O papel do Estado é garantir a segurança do indivíduo porque é isso que promove condições para a sua efetiva liberdade.
O que funda o poder político e as relações sociais não é o respeito ao próximo (Moral); o temor a Deus (Religião); os interesses nacionais (Razões de Estado); a honra (Códigos da nobreza). Mas sim o interesse próprio, o bem estar e a segurança de cada indivíduo na esfera da vida privada (Utilidade).
 
Nilson Nobuaki Yamauti
Professor de Ciência Política - Departamento de Ciências Sociais (UEM); Doutor em Política pela Universidade de S. Paulo (USP).
 

sábado, 30 de abril de 2011

Cotidiano Escolar: uma prática social em construção (texto 2)

Sabemos que as mudanças ocorridas nas escolas acontecem de maneira lenta e às vezes não são valorizadas. Sabemos que as escolas ainda têm resquícios de seu tradicionalismo, porém estão bem mais abertas para as idéias dos professores. Prova disso são os currículos ocultos que acontecem todos os dias nas escolas. O que devemos ter em mente é que não temos como aplicar as ações que deram certo em uma instituição, que tem seus costumes, suas necessidades, em outra escola sem ao mesmo estudá-las e adaptá-las para cada realidade.Porém como profissionais da educação devemos sempre valorizar e fortalecer as conquistas obtidas no âmbito da educação e passá-las a diante, a fim de facilitar o caminho a ser percorrido por outros e/ou novos educadores. A necessidade de criar um espaço vazio para a criação do novo, uma vez que, estamos sempre submetidos a uma proposta pedagógica curricular. Profissionais da educação estão dispostos a discutir algo novo, inventam e revolucionam nas escolas de acordo com a realidade de cada um. Deve haver mais trocas de experiências entre profissionais da área da educação. Esta deveria ser uma prática constante, fazer parte do dia-a-dia desse profissional, porém a realidade que conhecemos não é essa. Muitas vezes vemos cada um "fazendo o seu" e ponto final. Não existe uma realidade única, é preciso conhecer os "espaços" que guardam a memória de uma liberdade de ação, e observa-se que as reformas educacionais não levam isso em conta. Os processos pedagógicos devem ter a participação do coletivo e é indispensável um diálogo fértil e crítico, respeitando às "nossas redes de significação".
No cotidiano escolar deve-se buscar experiências alternativas, vontade de fazer, a discussão de possibilidades e colocar em relevo as características, os acontecimentos e os sujeitos com todos os seus saberes, sentimentos, gostos e interesses. Conclui-se que a compreensão dessas marcas cotidianas exige uma atenta composição que leva em consideração as ordens éticas, epistemológicas, teóricas e práticas durante todo o processo de buscar como é o currículo em ação em uma determinada escola."....Tem constantemente que jogar com os acontecimentos para os transformar em ocasiões." (Certeau, 1994, p.47). O professor é um sujeito inovador, podendo inovar junto aos alunos, como no comentário acima, como também é afetado pelo cotidiano do local onde exerce sua profissão, o professor não transmite conhecimento e sim informações. O conhecimento é fruto da interação do aluno/professor, nos questionamentos e divergências sobre aquele informação. A escola deve portanto valorizar e trabalhar com os múltiplos conhecimentos dos alunos acreditando em sua potencialidade, onde destaco aqui a liberdade de expressão, religião e demais orientações que se postos em prática no cotidiano escolar contribuirão para um currículo que realmente colabore na formação de cidadãos, não estando "engessado" , tão pouco atrelado a realidades que nada tem a ver com a comunidade na qual está inserida. Sou a favor do currículo que possibilite plena autonomia ao professor e alunos a descobrir outras didáticas sobre o tema, como também uma fiscalização para saber se estar tudo em ordem. Uma fiscalização para verificar se o conteúdo esta sendo executado de uma forma criativa e que faça despertar no aluno o prazer de descobrir, de poder indagar, questionar e outros.
É curioso notar que, apesar dos cursos de formação de professores enfatizarem que ler é uma atividade complexa, pois envolve a conjugação de ações múltiplas como percepção, decodificação e processamento de informações, memória, predição (antecipação), inferência, dedução, evocação, analogia, síntese, análise, avaliação e interpretação, falta a grande parte dos professores a vivência dessa atividade cognitiva, tão distante da apresentada a eles na sua formação. As próprias reflexões e orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais sobre o que seja um leitor competente e como se dá o processo de leitura encontram uma lacuna entre o que preconiza e os conceitos construídos pelos professores. E transformar esses conceitos não é tarefa fácil, pois quando o professor se vê sozinho em sala de aula, mesmo tendo recebido uma gama de informações em cursos de formação, ele retoma suas práticas cotidianas sem grandes modificações ou tentando incluir pequenas transformações. Essas pequenas transformações, não vivenciadas por ele, não trazem grandes resultados já que ele também as emprega de maneira técnica sem a construção necessária de sentido do texto.
Nos anos 70, proliferou o que se chamou de ‘tecnicismo educacional’, inspirado nas teorias behavioristas da aprendizagem e da abordagem sistêmica do ensino, definiu uma prática pedagógica altamente controlada e dirigida pelo professor com atividades mecânicas inseridas numa proposta educacional rígida e passível de ser totalmente programada em detalhes. (...) O que é valorizado nesta perspectiva, não é o professor mas sim a tecnologia, o professor passa a ser um mero especialista na aplicação de manuais e sua criatividade fica dentro dos limites possíveis e estreitos da técnica utilizada. (...) Esta orientação foi dada para as escolas pelos organismos oficiais durante os anos 60 e até hoje persiste em muitos cursos com a presença de manuais didáticos com caráter estritamente técnico e instrumental.
Há uma repetição diária, nas inúmeras salas de aula espalhadas pelo país, e modelos adquiridos, como alunos, através de uma vivência pedagógica tecnicista, inspirados nas teorias behavioristas, tão presentes ainda nos materiais pedagógicos, em que o aluno reage aos estímulos de forma a responder o esperado pelo professor, sem grandes possibilidades de reflexões sobre a língua e a linguagem.
No final dos anos 70 e início dos 80, constituíram-se as denominadas Pedagogia Libertadora e Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, ambas propondo uma educação crítica a serviço das transformações sociais, econômicas e políticas para a superação das desigualdades existentes no interior da sociedade.
A Pedagogia Libertadora tem suas origens no movimento da educação popular, no final dos anos 50 e início dos anos 60, quando foi interrompida pelo golpe militar de 1964, e retoma o seu desenvolvimento no final dos anos 70 e início dos anos 80. Nesta proposta a atividade escolar pauta-se em discussões de temas sociais e políticos e em ações sobre a realidade social imediata; analisa-se os problemas, os fatores determinantes e estrutura-se uma forma de atuação para que se possa transformar a realidade social e política. O professor é um coordenador de atividades que organiza e atua conjuntamente com os alunos. Pedagogia Libertária inscreve-se no contexto das teorias modernas da educação. Neste sentido, possui uma fundamentação filosófica e política que lhe é própria, embora esta fundamentação esteja relacionada com outras teorias e práticas pedagógicas que lhe são contemporâneas.
Um dos principais eixos da educação libertadora proposta por Freire é o combate acirrado à dominação e opressão dos "de baixo". Esses podem ser entendidos como os excluídos da sociedade capitalista, os "demitidos da vida", os "esfarrapados do mundo". Sua obra acredita na intenção de mudança, presente em cada ser humano, na conscientização dos "de baixo" que são, a todo instante, explorados pelos "de cima". A alfabetização de adultos proposta por ele, procura resgatar a dignidade daqueles que durante toda a vida construíram a riqueza de uma nação, e pelo preconceito, pela fadiga e pelo cansaço não conseguem mais gerar o lucro dos patrões e, por isso são considerados descartáveis.
Sua proposta se distingue pela contundência de sua crítica, pela sua luta inabalável contra a opressão e a dominação. Sua obra sobressai pela trajetória militante em sala de aula, o que o diferencia no apelo em prol de um modelo educacional que negue a escola de imitação das bases dos processos educacionais norte-americanos e europeus, predominantes durante toda a história da educação no Brasil. Sua ação prática junto às comunidades da periferia, aos núcleos de favelas, à terceira idade, o credencia como educador destacodo pela militância concreta, colada à realidade sofrida das populações. Um dos grandes diferenciais da educação proposta por ele, dos outros modelos fundados sob bases teóricas. Através da prática Paulo Freire construiu sua teoria, por meio da ação construiu a esperança, através da militância, espalhou conhecimentos. Esses elementos demonstram a sua contribuição inegável para a educação brasileira. Contribuição que na maioria das vezes, deixou de merecer o devido reconhecimento de seu próprio país, apesar de reconhecida no restante do mundo. Foi preciso sua morte física (não de suas idéias) para que ela começasse a ser pesquisada no Brasil.
A proposta de Paulo Freire também leva a marca da preocupação com o fator humano. Acima de tudo investiga o homem enquanto humano, portanto de interesse para humanização. Desta forma ele procurava contextualizar o homem nos seus aspectos históricos, políticos, econômicos e sociais. Isso fazia com que ele enxergasse a educação fora dos muros da sala de aula tradicional, fazia com que ele percebesse o homem enquanto sujeito histórico e transformador dentro do grande ambiente global, onde se edifica a sociedade dos tempos modernos.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Cotidiano Escolar: Uma Prática Social em Construção ( texto 1)

As práticas curriculares são compreendidas como uma ação de orientação, acompanhamento e intervenção no cotidiano escolar, concretizando a integração entre a formação acadêmica e o exercício docente, ou seja, entre a teoria e a prática pedagógica dos professores-alunos. Esta prática estabelecerá situações em que se poderá dialogar, discutir, refletir, reavaliar, agir de forma que a ação-reflexão-ação possa ocorrer de forma contínua e interdisciplinar.
Entrevistando um professor de geografia da rede pública de ensino e a prática curricular vivida por ele, foi dito " é dificil lidar com os parametros curriculares, ainda mais na escola publica. Existe uma falta de recurso muito grande, que provoca uma série de entraves para conseguir trabalhar com o curriculo da maneira correta. Ainda mais com a falta de planejamento que temos que enfrentar, pois sempre tem que cobrir "buracos" de outros professores. A absoluta falta de interesse dos alunos aliada ao meus sentimentos de frustração, o que se desdobra em auto-falta de interesse em tentar interessar quem não tem interesse, monta uma cena trágica: a escola como depósito de pessoas. Claro que pode mudar e acredito na mudança, mas também que depende muito da realidade, do contexto. A teoria é muito distante da realidade. E uma experiência que deu certo numa ocasião ou num lugar pode não ter o mesmo efeito em outra contexto. o importante é não desanimar.Os alunos com maiores dificuldades de aprendizado certamente são aqueles que não tiveram, desde sempre, o apoio necessário. Sempre há as exceções, mas as regras são sempre estas. O apoio familiar (no estudo, na construção cultural do aluno) é extremamente importante.Mas a questão vai muito além disso. Muitas vezes, o desenvolvimento ‘mental’ dele não foi tão seriamente prejudicado, mas ele simplesmente não sabe o que é estudar, o que é aprender e o prazer que isso dá. É uma questão de cultura. Estudar pra quê? Como? Por quê? Com o quê? Não me culpo, planejo e organizo minhas aulas da melhor forma possivel, e penso que a escola não é mesmo para todos, não era no tempo em estudavamos e não é hoje. Não penso que todos os problemas estejam em nós professores, nem no que planejamos, tão pouco em nossa metodologia, muito menos na escola ciclada ou seriada, penso que todos os problemas sociais estão na sala de aula, desde o pai que bebe, até a menina que é abusada sexualmente e meu caro eu não sou Cristo, mas faço a minha parte, educar é aceitar o desafio."
Cada escola tem uma realidade diferente tendo suas necessidades diferentes. É necessário que o diálogo abra caminho para justificar as redes de conhecimento. A escola tem autonomia relativa para a confecção de seu currículo e de sua prática pedagógica, podendo fazer com que aquele já existente seja adaptado para sua realidade , trazer a prática o mais próximo da realidade dos alunos. O que falta na verdade é vontade de fazer!