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Um panfleto de idéias, arte e filosofia....

terça-feira, 3 de maio de 2011

Universais e Particulares

Em metafísica, o termo "universais" aplica-se a dois tipos de coisas: propriedades (como a vermelhidão ou a redondez), e relações (como as relações de parentesco, ou relações espaciais e temporais). Os universais devem ser entendidos em contraste com os particulares. Poucos universais, ou nenhuns, são verdadeiramente "universais" no sentido de serem partilhados por todos os indivíduos — um universal é caracteristicamente algo que alguns indivíduos podem ter em comum, e outros não.
Os universais foram concebidos como coisas que nos permitem captar intelectualmente uma ordem permanente, subjacente ao fluxo inconstante da experiência. Alguns dos deuses das antigas mitologias correspondem aproximadamente a importantes universais subjacentes — relações sociais, por exemplo, como quando se diz que Hera é a deusa do Matrimónio e se diz que Ares (ou Marte) é o deus da guerra. Muitas tradições do oriente e do ocidente têm lidado com o problema subjacente que gera as teorias de universais; não obstante, o termo "universais" está intimamente ligado à tradição ocidental, e o programa foi na sua maior parte definido pela obra de Platão e Aristóteles.

O termo vulgarmente usado em referência a Platão não é "universais" mas "Formas" (ou "Ideias", empregue no sentido de ideais e não de pensamentos), remetendo o termo "universais" mais a Aristóteles que a Platão. Outros termos cognatos com universais incluem não só propriedades, atributos, características, essências e acidentes (no sentido de qualidades que uma coisa tem não por necessidade mas por acidente), espécies e géneros, e categorias naturais.

Como principal consequência da utilização do "método dos geômetras", Platão propõe que se afirme hipoteticamente a existência de "formas" ou "essências" ou "idéias", que seriam os modelos eternos das coisas sensíveis. Essas essências seriam incorpóreas e imutáveis, existindo em si mesmas. Embora Platão as chame também de "idéias", elas não existem na mente humana, como conceitos ou representações mentais: ao contrário, existem em si, nem nos objetos (de que são modelos), nem nos sujeitos (que conhecem esses objetos). Não podemos apreender com os sentidos essa essência ou "idéia" incorpórea e intemporal, pois nossos sentidos só captam o material, o dotado de alguma concretude, o que está no espaço e no tempo. Mas podemos alcançá-la com o intelecto: ela é inteligível.
A mais importante questão que devemos colocar seria a de perguntar enfim que socorro as idéias trazem para os entes sensíveis, quer se trate de entes eternos (astros) ou dos entes que sofrem geração e corrupção. Com efeito, elas não são para esses seres a causa de nenhum movimento e de nenhuma mudança. Também não trazem nenhum concurso para a ciência dos outros seres...nem para explicar a sua existência, pois não são nem ao menos imanentes às coisas que delas participam; se fossem imanentes, talvez pudessem assemelhar-se a causa dos seres, como o branco é a causa da brancura no ser branco, entrando em sua composição... . Por outro lado, os outros objetos não podem tampouco provir das idéias, em qualquer dos sentidos em que se entende ordinariamente essa expressão de. - Quanto a dizer que as idéias são os paradigmas e que as outras coisas participam delas, isso não passa do uso de palavras destituídas de sentido, e de metáforas poéticas. Onde então se trabalha com os olhos fixos na idéias? Pode acontecer, com efeito, que algum ser exista e se torne semelhante a um outro, sem que por isso tenha sido modelado a partir desse outro. ... Além disso, teríamos diversos paradigmas do mesmo ser e, por conseguinte, diversas idéias desse ser; por exemplo para o homem teríamos o animal, o bípede, e ao mesmo tempo também o homem em si. Além do mais, as idéias não serão paradigmas apenas dos seres sensíveis, mas também das próprias idéias, e , por exemplo, o gênero, enquanto gênero, será o paradigma das espécies contidas nele: a mesma coisa será portanto paradigma e imagem. E depois pareceria impossível que a substância fosse separada daquilo de que ela é substância. Como então as idéias, que são a substância das coisas, seriam separadas das coisas?      (Metafísica)
Argumento do Terceiro HomemVários argumentos têm sido avançados para estabelecer a existência de universais, o mais memorável dos quais é o argumento do "um em muitos". Existem também vários argumentos contra a existência de universais. Há, por exemplo, vários argumentos regressivos derivados do chamado "argumento do terceiro homem" de Aristóteles contra Platão. Outra família de argumentos explora o que é conhecido como Navalha de Ockham: argumenta-se que podemos dizer tudo o que precisamos de dizer, e explicar tudo o que precisamos de explicar, sem recorrer a universais; e se podemos, e se somos racionais, então devemos fazê-lo. Quem acredita na existência de universais chama-se realista, quem não acredita chama-se nominalista.
Aristóteles alude várias vezes a um argumento assim denominado, contrário à doutrina platônica das idéias, dando-o por conhecido, portanto deixando de expô-lo (Met., I, 9, 990 b 17; VII, 13, 1039 a 2; El. sof, 178 b 36). Segundo Alexandre de Afrodisia (In met, I, 9), esse argumento consistiria em dizer que, uma vez que um homem individual é semelhante ao homem ideal, deve existir um "terceiro homem" do qual os dois participem. Mas esse é o argumento aduzido contra a doutrina das ideias de Platão, que no entanto não menciona o exemplo do homem (Parm., 132a).
Alexandre, porém, menciona também outras formas desse argumento do terceiro Homem. Vejamos:
1) Uma delas é a usada pelos sofistas: quando dizemos "o homem está passeando", não estamos falando nem da idéia de homem (que é imóvel), nem de um homem em partiicular; devemos então estar falando de um homem de uma terceira espécie.
2) Fânias, discípulo de Aristóteles, em seu livro contra Diodoro Cronos, atribuía ao sofista Polixeno o seguinte argumento: se o homem existe por participar da ideia de homem, deve haver algum homem que possua o seu ser em relação com a ideia; mas não será nem a própria ideia, nem o homem em particular. Finalmente, o próprio Alexandre nota que o argumento do terceiro homem, exposto na primeira forma, pode ser repetido ao infinito, porque a relação entre terceiro homem, por um lado, e ideia do homem particular por outro pode dar lugar ao quarto e quinto homem, e assim por diante.

Como Platão expõe o argumento por meio de Parmênides, contra a interpretação da doutrina das ideias que estabelece uma separação nítida entre ideias e as coisas, é provável que esse argumento fosse corrente na própria escola platônica; sua origem, porém, parece ser megárica ou sofistica (cf. a nota de W. D. Ross a Met., I, 9, na edição de Metafísica por ele organizada, bem como a nota de DIES a Parmênides, em Coll. des Univ. de France, VIII, p. 21). [Abbagnano]

Argumento do terceiro homem, feito contra Platão, é exposto assim: Os objetos grandes são grandes porque participam da grandeza. Mas juntando-se todos os objetos grandes mais a grandeza, tudo isso, que é grandeza, assemelha-se ou participa de uma outra forma da grandeza, que inclui a primeira e os objetos grandes. E se juntarmos estes e mais as duas grandezas, participam eles de uma outra forma da grandeza, maior ainda que as anteriores, e assim ao infinito. O mesmo se daria com os homens que participam da humanidade, mas aqueles juntos a esta, participam de outra humanidade e, assim, sucessivamente.

Considerações finais

Contudo, é evidente o sofisma, pois a conjunção dessa multiplicidade é feita noeticamente (no espírito humano). A forma da grandeza não é da mesma natireza que as coisas grandes e, portanto, a sua reunião não acrescentaria nenhuma grandeza maior, como se pretende, por considerar fisicamente a forma, o que aliás é o esquema sempre presente em suas críticas. A natureza das formas é meramente eidética, sem dependência dos esquemas noéticos.


 
 
  Re
ferências Bibliográficas

1- Chauí, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles, volume I / Marilena Chauí. - 2.ed., rev. e ampl. - São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 
3- Curso de Filosofia: para professores e alunos dos cursos de segundo grau e graduação / Antonio Carlos Rezende (organizador). - 13.ed. -Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

Crítica de Aristóteles a Platão

A doutrina das idéias de Platão

Universais em Platão e Aristóteles

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Descartes e sua época

Em 31 de março de 1596 nasce na França, em pleno século do Renascimento, René Descartes, em La Haye (atual Descartes), perto de Tours, na casa de sua avó materna, sendo o terceiro filho sobrevivente de Joachim Descartes, conselheiro do Parlamento da Bretanha, e de Jeanne Broachard. De família nobre, aos 8 anos é enviado para o Colégio Jesuíta La Flèche, em Paris. Foi um brilhante aluno e terminou o secundário em 1612. Em 1615 - 1616 cursa Direito e talvez um pouco de medicina na Universidade de Poitiers, obtendo seu bacharelado e licenciatura em direito civil e canônico em novembro de 1616. Alistou-se nas tropas holandesas de Maurício de Nassau em 1618, onde trava conhecimento com Isaac Beeckman, que reaviva seu interesse nos assuntos científicos, nesse momento entra em contato com a nova física copernicana. Lutou na Guerra dos Trinta Anos e teve que retornar a Paris para receber a herança da mãe, onde frequentou os meios intelectuais. Dedicou-se ao estudo da filosofia, com o objetivo de conciliar a nova ciência com as verdades do cristianismo. Em 1629, foi para Holanda para evitar problemas com a Inquisição e empenhou-se no estudo da matemática e da física. Seus estudos de filosofia são retomados em meados de 1637, onde escreveu muitos livros e cartas, sendo famosas as cartas filosóficas à princesa Elisabeth ( Alemanha) e à rainha Cristina da Suécia. No fim de fevereiro de 1649 é convidado a ir à Suécia, para visitar a Rainha Cristina. Não suportando o rigor do inverno, aí morre de pneumonia um ano depois (1650).
Descartes deixou uma vasta obra e seus livros mais acessíveis são O discurso sobre o método e As meditações metafísicas. Todos seus livros foram proibidos - colocados no Index - pela Igreja em 1662.
A França de Luíz XIV vivia uma época de instabilidade e de pertubações políticas e sociais. A nova física de Galileu (adotou o sistema Copérnico) põe radicalmente a concepção aristotélica do cosmo e desafia a autoriadade da Igreja. Houve a divisão entre católicos e protestantes com a Reforma e muitos são os partidários do ceticismo de Montaigne. Filósofos e cientístas ficaram amedrontados com a condenação de Galileu pelo Santo Ofício. Descartes, ao mesmo tempo homem da ciência e crente sincero, tenta mostrar que não há incompatibilidade entre as verdades da ciência e as verdades da fé cristã.
Fundador da Filosofia ModernaPode-se dizer que com Descartes a filosofia volta a estaca zero, sendo o fundador da filosofia moderna, uma vez que, ele vai firmar novas posições em relação a como conhecer e porque conhecer as coisas. No seu tempo, os céticos e todos aqueles que eram contra a igreja e contra a ciência queriam fundamentar o seu conhecimento por meio do "não conhecimento", ou seja, da dúvida. No entanto, essa dúvida estava baseada não em certeza científica mas no simples fato de duvidar por duvidar das coisas. Se duvidavam da existência de Deus, da justiça, da virtude, do amor e todos os elementos não matemáticos. René, que tinha estudado matemática, aplicou o método de conhecimento matemático, da precisão científica da matemática, dentro da área de humanas.
No inverno de 1619 chegou a sonhar por três noites seguidas que sua vocação seria reformar a ciência. Ele percebe que todo conhecimento que foi formulado e ensinado a ele até então deveria ser posto a prova , é o que chamamos hoje de dúvida metódica (Dubtatum Dubitandum) ou a dúvida cartesiana. Descartes não duvida da existência daquilo que se afirma como real, mas irá duvidar da possibilidade do conhecimento.
O racionalismo cartesiano pode ser definido como a doutrina que, por oposição ao ceticismo, atribui à razão humana a capacidade exclusiva de conhecer e de estabelecer a verdade, sendo esta independente da experiência sensível, posto ser ela inata, imutável e igual em todos os homens.
Descartes duvida da possibilidade do conhecimento que nesse período é formulado por meio da razão e dos sentidos, ou seja, o conhecimento cognoscente (daquele que conhece) e o cognoscível (daquele objeto que é conhecido). Tem -se o questionamento de Descartes; Será que posso aplicar essa certeza matemática a áreas não matemáticas? Por exemplo, no conhecimento de Deus? Os sonhos são formas de pensamento?
Em sua teoria tem-se a idéia de um gênio ruim (anjo mal ou Deus enganador), ou seja, quando durmo se estou pensando ao sonhar algo, esse algo no meu sonho pode ser tão real que posso me assustar e ter taquicardia (os sonhos parecem realidade). Na visão de René Descartes, estou enganado daquilo que estou pensando enquanto durmo. Esse ato de ser enganado é um gênio ruim que faz com que eu pense que estou pensando e a partir de então, me engano, não quer, não deseja que eu pense. Se ao pensar, sou enganado, então é porque penso. Daí surge a primeira certeza de Descartes "Penso, logo existo."
O homem é um animal essencialmente racional. No início de seu Discurso sobre o método, ele afirma a igualdade, de direito, do bom senso ou a razão; todos nós possuímos a razão, ou seja, essa capacidade de bem julgar e de discernir o verdadeiro do falso. Nem todos os homens, porém, utilizam corretamente sua razão. Havendo a necessidade de um método, de um caminho certo e seguro.

O bom senso é o que existe de mais bem distribuído no mundo. Porque cada um se julga tão bem-dotado dele que mesmo aqueles que são mais difíceis de se contentar com qualquer outra coisa não costumam desejar possuí-lo mais do que já têm. E não é verossímil que todos se enganem a esse respeito. Pelo contrário, isso testemunha que o poder de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina bom senso ou razão, é naturalmente igual em todos oos homens;e que, por isso, a diversidade de nossas opiniões não provém do fato de uns serem mais racionais do que os outros, mas somente do fato de conduzirmos nossos pensamentos por vias diversas e de não considerarmos as mesmas coisas.
                                                                                                                        (Discurso sobre o método , 1)

O método cartesiano pode ser dito então como, "o exame dos fundamentos do pensanmento humano" que tem por objetivo conduzir bem a razão, procurar a verdade nas ciências e está baseado na teoria de Descartes em quatro princípios ou regras fundamentais:
a) regra da evidência - onde tem-se a eliminação completa da dúvida
b) regra da análise - divide-se cada problema que se estuda em tantas partes menores para melhor resolvê-las. Decomposição do problema do complexo em partes elementares.
c) regra da síntese - conduzir com ordem meus pensamentos começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de se conhecer para elevar-se pouco a pouco como por degraus até o conhecimento dos mais complexos (conhecimento do particular para o universal).
d) regra do desmembramento (verificação) - estabelecer um controle efetuado mediante a enumeração completa dos elementos analisados e a revisão das alterações siintéticas.
Em suma para proceder com retidão em qualquer pesquisa é preciso repetir o movimento de simplificação e ordenamento típico do conhecimento geométrico. Com esse método tem-se a evidência racional por meio da análise, da síntese e do controle. Para Descartes o simples não é o universal da filosofia tradicional, assim como a intuição não é a abstração (intuição não é conhecimento), a filosofia não é mais a ciência do ser e sim a doutrina do conhecimento (teoria do conhecimento) a gnosiologia. Existem apenas dois tipos de substâncias claramente distintas e irredutíveis uma à outra, o Rex Cogitan (ser pensante) onde pensar e ser são a mesma coisa e o Rex existensa (ser pensado), o mundo material no qual se pode compreender ou conhecer algo ainda que de forma limitada.Obras do autor e sua temática central
Meditações Metafísicas - Das coisas que se podem colocar em dúvida
Descartes apresenta uma estratégia de refutação do ceticismo, interpretado como a negação da possibilidade do conhecimento. Tem-se o questionamento dos sentidos como fonte confiável de conhecimento, o argumento do sonho e da ilusão, que coloca em dúvida nossas impressões sensíveis porque quando sonhamos ou nos iludimos elas parecem verdadeiras, e, finalmente, o que se pode considerar a contribuição de Descartes à argumentação cética, a dúvida hiperbólica, ou exagerada: o argumento do Deus enganador. Descartes imagina um ser todo poderoso que interfere sistematicamento em nosso processo de conhecimento de tal forma que não possamos ter certeza de nada.
Meditações Metafísicas - O argumento do cogito
O argumento do cogito é a saida de Descartes para o impasse o qual argumenta do Deus enganador. Se a existência do Deus enganador nos leva a colocar tudo em dúvida, já que não podemos ter certeza de nada, então tudo o que nos resta é precisamente a dúvida. A dúvida é uma forma de pensamento , portanto duvidar é pensar. Isso mostra que a existência do pensamento não pode ser colocada em dúvida, já que duvidar é pensar. Mas, se há pensamento, há o ser pensante. Este o sentido fundamental da famosa fórmula "Penso, logo existo" (Discurso do método, IV). A existência do ser pensante é assim, para Descartes, a primeira certeza, a certeza indubitável, uma evidência que resiste a qualquer dúvida cética, até mesmo à mais radical. O argumento do cogito apenas prova a existência do ser pensante.
Discurso do Método - A formação do filósofo
Descartes critica tudo aquilo que aprendeu na escola, uma vez que, não repousava me fundamentos ou princípios sólidos. Para se fundar na certeza, o conhecimento deve começar pela busca de princípios absolutamente seguros.
Discurso do Método - As regras do método
Descartes formula suas regras do método científico, são quatro e bem objetivas. No lugar das regras complexas e intricadas do método dedutivo aristótelíco, da teoria do silogismo, ele prefere as quatro regras simples mas que devem ser seguidas à risca. Irei apenas citá-las, uma vez que, já foram esclarecidas acima. São elas:
a) regra da evidência
b) regra da análise
c) regra da síntese
d) regra do desmembramento (verificação)
 Discurso do Método - A moral provisória
Descartes apresenta regras de uma moral provisória, que devemos adotar até que uma verdadeira ciência da moral, baseada na investigação da natureza humana, fosse desenvolvida. Não elabora regras de conduta universair e nem pretende ser um reformador. Estava preocupado com o aperfeiçoamento individual capaz de levar os indivíduos a fazerem uma justa apreciação dos bens. Nessa hierarquia dos bens, o lugar supremo conferido à liberdade, não ao saber. " Não basta julgar bem para agir bem", diz ele, porque a moral não deriva apenas do conhecimento.
 Considerações finais
Um dos grandes legados do cartesianismo consiste na rejeição de toda e qualquer autoridade, no processo do conhecimento, distinta da Razão. Ele proclama a independência da filosofia, que, de agora em diante, deve submeter-se apenas à autoridade da Razão. Devem ser excluídos dogmas religiosos, os preconceitos sociais, as censuras políticas e os dados fornecidos pelos sentidos. Só a Razão conhece!
A filosofia de René Descartes é eminentemente crítica e, o método para solucionar o problema crítico é a dúvida. O racionalismo cartesiano utiliza o método detutivo e tira sua metodologia das matemáticas,ou seja, nas ciências da natureza. Trata-se de uma filosofia decididamente prática, na medida em que nos leva compreender que a inteligência das coisas, a partir de seus verdadeiros princípios, fornece-nos os meios de dominá-las. Temos o poder de prever o futuro e dominar a natureza por nossas ações. Nossa condição no mundo transformou-se: não somos mais escravos da natureza. Pelo contrário, somos seus "mestres possuidores".
 
 
 
Bibliografia:
1- Descartes: a filosofia da mente de Descartes / John Cottingham; tradução de Jesus de Paula Assis. - São Paulo: Editora UNESP, 1999. 55p - ( Coleção grandes filósofos)
2- Descartes: uma biografia intelectual / Stephen Gaukroger; tradução, Vera Ribeiro. - Rio de Janeiro: EdUERJ: Contraponto, 1999. 596p
3- Descartes; Um legado científico e filosófico/ Saul Fuks, organizador; Peter Mclaughlin...[et al.]. Rio de Janeiro: Relume Dumará: COPPE, 1997. 251p
4- Curso de Filosofia: para professores e alunosdos cursos de segundo grau e de graduação / Antônio Rezende (organizador). - 13.ed. - Rio de Janeiro; Jorge Zahar Ed, 2005. 311p
5- Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein/ Danilo Marcondes. - 5. ed. revista. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. 183p

domingo, 1 de maio de 2011

A teoria política hobbesiana

As doutrinas políticas existentes não estavam solucionando o problema do entendimento entre os homens, ou seja, garantindo a efetividade de sua convivência pacífica em sociedade. Thomas Hobbes constatava as devastações produzidas pela guerra civil na Inglaterra e concluía que as lutas fratricidas resultavam de um poder político que não era reconhecido como legítimo por todos.
O filósofo inglês acreditou que a solução seria aplicar o método da Matemática que propicia conclusões certas e indiscutíveis ao contrário das ciências morais que produzem apenas controvérsias infindáveis. Partiu da suposição de que a formulação de uma teoria política baseada em fundamentos lógico-racionais poderia estabelecer a paz social. O autor de O Leviatã irá, portanto, aplicar o método lógico-dedutivo a fim de demonstrar a necessidade de um poder absoluto para eliminar os conflitos existentes.
Hobbes inicia a sua argumentação com a premissa de que no estado de natureza todos os homens são movidos pelo instinto de conservação. A luta pela sobrevivência instaura a guerra de todos contra todos.
O medo da morte violenta associado à consciência de que é mais vantajoso viver no estado civil (instinto de conservação + razão) produz no homem o desejo de viver em paz.
Desta forma, de livre vontade, visando apenas o interesse próprio de conservação, os homens chegam, então, a um acordo. Todos irão renunciar aos seus direitos naturais e submeter-se integralmente a um poder soberano.
A função do soberano é assegurar que todos respeitem o contrato social e, dessa forma, garantir a vontade de todos que é a paz e a segurança individual. Para desempenhar bem esta função, o soberano deve exercer um poder absoluto, sem estar subordinado a ninguém; e nem mesmo a uma Carta Magna. Só dessa forma seria possível subjugar os interesses particulares, o individualismo cada vez mais acirrado presente na sociedade de relações mercantilizadas, o qual colocava em xeque o interesse geral, isto é, a convivência pacífica dos homens.
Através deste raciocínio lógico-dedutivo, desta construção do pensamento, chega-se à justificação do poder absoluto, do poder inquestionável. O poder soberano é legítimo, enfim, porque:
a) é constituído a partir da vontade livre de indivíduos livres e iguais; e de comum acordo, ou seja, do consenso.
b) assegura o interesse de todos que é viver em paz, com segurança, livre do medo da morte repentina e violenta.
Se o poder soberano não conseguir realizar o interesse de todos, isto é, a obediência de todos ao contrato social, pode vir a ser deposto por uma rebelião. Concluir-se-á, nesse caso, que o soberano não era legítimo.
Por que Hobbes defende o absolutismo
A instauração da era moderna é desencadeada pela expansão do comércio que dá origem a uma poderosa classe burguesa ao mesmo tempo em que promove a avidez consumista da nobreza.
Estas classes passam a se orientar por uma nova ética, individualista e instrumental, que justifica a busca do interesse privado pelo indivíduo sem se importar com os interesses da coletividade. O calvinismo e as idéias dos pensadores modernos irão fundamentar esta nova ética revolucionária, de fundo mercantil.
Essa nova ética dos tempos modernos gera uma energia social fabulosa que transformará a face do planeta. Mas, ao mesmo tempo, irá produzir muita miséria, violência e destruição.
O indivíduo que despontava na era moderna — livre dos grilhões estabelecidos pela ética católica — encarnado na figura do comerciante, banqueiro e proprietário de terras, estava convulsionando a ordem social, destruindo valores morais comunitários, favorecendo a ocorrência de guerras civis, expulsando os camponeses das terras, explorando os mais fracos, saqueando as terras descobertas.
A propriedade da terra, por exemplo, estava deixando de ser a suposta fonte destinada ao bem estar da comunidade para se tornar fonte de acumulação de riquezas de indivíduos particulares. Era para Hobbes, certamente, um imenso escândalo ético considerar a terra, — que era um bem sagrado da comunidade —, uma mercadoria como outra qualquer, passível de ser vendida e comprada livremente apenas para atender a interesses privados de indivíduos em prejuízo de milhares de camponeses que ficavam sem trabalho. A garantia da propriedade para todos era fundamental, segundo Hobbes, para a paz social.
A divisão do poder soberano entre o monarca e o parlamento não pode, segundo Hobbes, garantir a estabilidade política e social. Pelo contrário, fomentaria a eclosão da guerra civil.
O conflito político crucial da Inglaterra naquele momento é definido pelo interesse do rei em consolidar o poder absoluto e pelo interesse da burguesia em conquistar o poder político a fim de garantir seus interesses econômicos, livre das decisões arbitrárias do monarca.
A solução antevista por Hobbes é o poder absoluto. A partir de 1640, Hobbes passou a estar a serviço do rei, Carlos I, na luta contra os interesses burgueses presentes no Parlamento.
O Estado nacional, concebido, em tese, para a defesa do interesse público, estava se tornando, com a divisão de poderes, um instrumento da burguesia e dos grandes proprietários de terra para, através do parlamento, defender seus interesses privados, cada vez mais poderosos.
O poder soberano absoluto, segundo Hobbes, poderia expulsar da sociedade aqueles que se esforçassem por guardar coisas que para eles fossem supérfluas enquanto outros sofressem da sua carência e privação. O soberano é que deveria ficar encarregado de distribuir as terras do país em nome da eqüidade e do bem comum.
O poder absoluto seria necessário enfim para impedir os abusos e a violência cometida pelos mais fortes contra os mais fracos porque isso poderia desagregar a sociedade e destruir a paz civil. O Estado absoluto, o Leviatã, deverá ser o monstro bíblico cruel que protegerá os peixinhos miúdos contra a ameaça dos tubarões graúdos que desejam devorá-los.
Significado histórico da teoria política de Hobbes
O trabalho teórico de Hobbes está vinculado à preocupação com a formação do Estado nacional. E, mais particularmente, com a constituição do governo soberano, com a centralização do poder político.
O autor de O Leviatã inaugura uma discussão dentro da teoria política que é a da legitimação racional do poder. Em outros termos, a legitimação racional da obediência do indivíduo ao Estado.
Hobbes detecta a força social que despontava na era moderna e que estava convulsionando a Europa: o indivíduo autônomo que luta apenas pelos seus interesses materiais particulares encarnado na burguesia nascente cada vez mais poderosa. Como controlar essa força social revolucionária que parecia desagregar os fundamentos da vida em sociedade?
O autor, na verdade, funda a visão moderna de Estado. As leis e o governo não têm a função de realizar a síntese dos interesses particulares dominantes na sociedade mas garantir apenas um interesse comum: a paz e a segurança individual. E para poder realizar este interesse comum o poder político precisa ser autônomo em relação a todos os interesses particulares.
Se o Estado garantir a segurança individual, cada um pode ser livre para fazer o que bem entender em sua vida privada — seguir a religião que julgar a verdadeira, a ideologia que considerar a correta, votar no partido que quiser, escolher a profissão que for de seu agrado, ir morar onde preferir. Antecipa-se assim a tese liberal de que o jogo do mercado é que deve regular as relações sociais e não o Estado.
E Hobbes lança uma idéia que vai se constituir no fundamento da democracia: o poder político legítimo é aquele que se institui a partir do consenso, do consentimento de todos, visando realizar o interesse comum de toda a sociedade. Ou seja, Hobbes promove uma revolução: não é mais o indivíduo que existe em função do Estado, mas é o Estado que deve existir em função do indivíduo. E mais que isso, o Estado e a Sociedade são fundados e ordenados a partir da vontade livre de indivíduos.
Hobbes insinua um outro fundamento do Estado nacional. Dentro de um território nacional, os indivíduos vivem juntos não em razão de uma cultura, costumes, tradições, religião, visão de mundo, língua, raça, etnia ou uma meta ideológica e política comum. Mas podem conviver pacificamente, apesar das desigualdades sociais e das diferenças existentes, pelo simples fato de que todos estão subordinados a regras comuns, a direitos, deveres e obrigações comuns.
Na teoria de Hobbes percebe-se o fundamento essencial do Estado: a segurança individual, o desejo comum de viver em paz como aquilo que possibilita a convivência de indivíduos desiguais em sociedade.
A idéia de que o Estado e a sociedade nascem a partir da vontade livre de indivíduos que estabelecem contratos entre si é uma idéia que exprime os tempos modernos. Hobbes fundamenta o poder político a partir de uma lógica instrumental individualista própria do novo espírito burguês nascente, apesar de reagir, em termos políticos, contra este novo espírito. O papel do Estado é garantir a segurança do indivíduo porque é isso que promove condições para a sua efetiva liberdade.
O que funda o poder político e as relações sociais não é o respeito ao próximo (Moral); o temor a Deus (Religião); os interesses nacionais (Razões de Estado); a honra (Códigos da nobreza). Mas sim o interesse próprio, o bem estar e a segurança de cada indivíduo na esfera da vida privada (Utilidade).
 
Nilson Nobuaki Yamauti
Professor de Ciência Política - Departamento de Ciências Sociais (UEM); Doutor em Política pela Universidade de S. Paulo (USP).