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Um panfleto de idéias, arte e filosofia....

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Santo Agostinho

Sem a fé a razão é incapaz de promover a salvação do homem e de trazer-lhe felicidade. A razão funciona como auxiliar da fé, permitindo esclarecer, tornar inteligível, aquilo que a fé revela de forma intuitiva. A grande questão discutida pelos intelectuais da Idade Média é a relação entre razão e fé, entre filosofia e teologia.
Aurélio Agostinho, principal nome da patrística, ao lado de Tertuliano e São Justino (inclinando-se mais decididamente para a posição deste, uma vez que, o cristianismo era para são Justino uma continuação natural da filosofia grega) recorre à filosofia platônica, por intermédio do neoplatonismo de Plotino, para realizar uma síntese com a doutrina cristã, adaptando o pensamento pagão. Agostinho retoma a dicotomia platônica "mundo sensível e mundo das idéias", mas substitui este último pelas idéias divinas. Em relação ao platonismo, o posicionamento de Santo Agostinho não é meramente passivo, pois o reinterpreta para conciliá-lo com os dogmas do cristianismo, convencido de que a verdade entrevista por Platão é a mesma que se manifesta plenamente na revelação cristã. Assim, apresenta uma nova versão da teoria das idéias, modificando-a em sentido cristão, para explicar a criação do mundo. Deus cria as coisas a partir de modelos imutáveis e eternos, que são idéias divinas. Essas idéias ou razões não existem em um mundo à parte, como afirmava Platão, mas na própria mente ou sabedoria divina, conforme o testemunho da Bíblia.


Que a mesma sabedoria divina, por quem foram criadas todas as coisas, conhecia aquelas primeiras, divinas, imutáveis e eternas razões de todas as coisas antes de serem criadas, a Sagrada Escritura dá este testemunho: " No princípio era o Verbo e sem Ele nada foi feito." Quem seria tão néscio a ponto de afirmar que Deus criou as coisas sem conhecê-las? E se as conheceu, onde as conheceu senão por si mesmo, junto a quem estava o Verbo pelo qual tudo foi feito?"
(Sobre o Gênese, V, 29)


Vale a pena ressaltar a melhor obra puramente filosófica dos escritos de Santo Agostinho é o livro décimo primeiro das Confissões. As edições populares das Confissões terminam no Livro X, sob alegação de que o que se segue é desinteressante; é desinteressante porque é boa filosofia, e não biografia. O Livro XI trata do problema: tendo a Criação ocorrido como afirma o primeiro capítulo do Gênese, e como Santo Agostinho mantém contra os maniqueus, devia ter ocorrido o mais cedo possível. O primeiro ponto a observar, é que a Criação saiu do nada, como ensina o Antigo Testamento, como uma idéia inteiramente alheia à filosofia grega. Quando Platão fala de criação, imagina uma matéria primitiva a que Deus deu forma; e o mesmo ocorre em Aristóteles. Se Deus é um artífice ou arquiteto, mais do que um criador. A substância é considerada como eterna e incriada; somente a forma é devida à vontade de Deus. Contra essa opinião, Santo Agostinho afirma, como o deve fazer todo cristão ortodoxo, que o mundo foi criado não de uma certa matéria, mas do nada,. Deus criou a substância, e não somente a ordem e a disposição.
O conceito grego de que a criação partindo do nada é impossível, foi repetido, a intervalos, nos tempos cristãos tendo conduzido ao panteísmo. O panteísmo afirma que Deus e o mundo não são distintos, e que tudo no mundo é parte de Deus. Em sua argumentação dialética para provar a existência de Deus, Santo Agostinho desenvolve uma série de reflexões dentro desse pensamento para fazer-se melhor compreendido. Dentro dessa dinâmica, o problema do tempo tem como ponto de partida a existência de Deus e a criação do mundo.
Por que não foi o mundo criado antes? Por não havia o "antes". O tempo foi criado quando se criou o mundo. Deus é eterno, no sentido em que está fora do tempo; em Deus não existe antes e nem depois, mas só um presente eterno. A eternidade em Deus está isenta da relação de tempo; todo o tempo está presente para Ele simultaneamente. Ele não precede Sua própria criação do tempo, por isso implicaria que Ele estava no tempo, enquanto que Ele permanece eternamente fora da corrente do tempo. Isto leva Santo Agostinho a uma teoria relativista do tempo admirável!

Santo Agostinho para explicar que não havia possibilidade de existir tempo antes da criação do mundo, descreve sobre a superioridade de Deus em relação ao tempo e a inferioridade deste para com Aquele, que é bem explicitada na seguinte citação:

Como poderiam ter passado inumeráveis séculos, se Vós, que sois o autor de todos os séculos, ainda os não tínheis criado? Que tempo poderia existir se não fosse estabelecido por Vós? E como poderia esse tempo decorrer, se nunca tivesse existido?

O tempo é algo que mexe com todos e está na boca e no cotidiano de todas as pessoas. Como diz Agostinho, "que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo?".Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam". Contudo, quando queremos nos colocar a explicá-lo, já não mais o sabemos.
Forçado pela controvérsia com os maniqueus, Agostinho assume uma postura equilibrada e cautelosa diante do difícil enigma (implicatissimum aenigma-cf. Conf.,XI, 22, 28). Por isso, diante da pergunta ontológica: "o que é, por conseguinte, o tempo?" (Conf., XI, 14, 17), ele responde: Se ninguém me perguntar, eu sei; porém, se quiser explicar a quem me perguntar, já não sei" ( Conf., XI, 14, 17). Parece que somos levados aqui a contradições e a única maneira que Agostinho consegue encontrar para evitá-las é dizer que o passado e o futuro só podem ser considerados como presente: o "passado" tem de ser identificado com a memória, e o "futuro" com a espera , sendo a memória e a espera fatos presentes. Segundo ele, haveria três tempos ; "um presente das coisas passadas, "um presente das coisas presentes" e um "presente das coisas futuras". O pensamento de Agostinho analisa os três tempos não como sendo três, mas como um só tempo, pois o analisa como um tempo contínuo, e, sendo assim, classifica-os como um eterno presente.
Percebe-se que, com essa teoria, não resolveu realmente todas as dificuldades. "Minha alma anseia por conhecer este profundo enigma", diz, e roga a Deus para que ilumine, assegurando-lhe que seu interesse pelo problema não é devido somente a simples curiosidade. "Confesso-te, ó Senhor, que ainda ignoro o que é o tempo." Mas o ponto capital da solução por ele sugerida é o de que o tempo é subjetivo: o tempo está na mente humana, que espera, considera e recorda. Segue-se daí que não pode haver tempo sem um ser criado, e que falar de tempo antes da criação é coisa sem sentido.
No livro XI de suas "Confissões", as palavras de Agostinho sobre o tempo tornaram-se justamente célebres e sempre merecem ser citadas, até mesmo, pelo seu sublime valor metafísico e também pelo seu conteúdo moral: "O que é então o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se devo explicá-lo a quem me levanta a questão, não sei (Quid est ergo tempus? Si nemo ex me quaerat scio; se quaerenti explicare velim, néscio)". E continua sua meditação: "Mas de qualquer forma isto, pelo menos, ouso afirmar que sei: se nada houvesse ocorrido, não haveria tempo passado; se nada se aproximasse, não haveria tempo futuro; se nada há, não haveria tempo presente".
Outra vez nos encontramos envoltos na problemática do tempo e isso se torna notório quando continua Agostinho em sua meditação:"Mas os dois tempos, passado e futuro, como podem ser, uma vez que o passado já não é mais, e o futuro ainda não é? Por outro lado, se o presente sempre fosse presente e nunca fluísse para longe no passado, não seria tempo de modo algum, porém eternidade.


Referências Bibliográficas
1- Agostinho, Santo. Confissões, Os Pensadores Humano ( Trad. J. Oliveira e ª Ambrósio de Pina) Ed. Abril, São Paulo, 1973.
2- Russell, Bertrant. História da Filosofia Ocidental. 3 ed. vol 2.
3- Marcondes, Danilo. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein / Danilo Marcondes. - 5.ed. revista.- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
4-Curso de filosofia: para professores e alunos dos cursos de segundo grau e graduação / Antonio Rezende (organizador). - 13. ed.- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005 (AGOSTINHO, Santo. Confissões. Pág. 243)