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quinta-feira, 28 de abril de 2011

O ATEÍSMO COMO FILOSOFIA MATERIALISTA E RECONCILIAMENTO COM O REAL

Ateísmo é a posição filosófica de que não existem deuses, ou que rejeita o conceito de teísmo. Em uma concepção mais ampla, o ateísmo é definido como a simples ausência de crença em divindades. No estudo de importantes filósofos constatou-se que, essa descrença geralmente vem de uma decisão deliberada ou de uma dificuldade para acreditar nos ensinamentos religiosos, portanto, não trata-se simplesmente da descrença advinda de desconhecimento sobre religiões. A simples descrença em deuses é denominado "ateísmo passivo"; "o ateísmo ativo" seria literalmente acreditar que não há (ou é impossível existir) deuses.
Ao contrário das três religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo), o ateísmo não é um estilo de vida nem uma doutrina dotada de um corpo de conhecimento ou princípios, mas somente uma classificação acerca do posicionamento ou estado intelectual do indivíduo em relação à idéia de deus.
Assim como os teístas, os ateístas possuem valores morais que norteiam suas ações. Não há quaisquer evidências empíricas para sustentar a acusação de imoralidade tão frequentemente lançada contra os descrentes. É claro que os ateus, como um todo, não compartilham um código moral único, não possuem uma moral baseada na autoridade de princípios ateísticos, que seriam absolutos ou superiores como os valores vinculados ao teísmo. Na realidade, os ateus escolhem individualmente — visando seus objetivos, suas necessidades — quais são os valores que melhor lhes servirão para guiar suas vidas em função do sentido que escolheram para elas; ou seja, o que não existe é uma moral ateísta no sentido em que falamos de uma moral cristã. Entretanto, há, por certo, ateístas morais, os quais se baseiam em fatores de natureza humana para fundamentar seus valores de modo racional; pois é claro que, sem um deus, tais fatores não poderiam ser absolutos ou transcendentais.
A grande frequência com que se tenta corroborar ou refutar o ateísmo através de julgamentos e valores morais apenas demonstra uma lamentável leviandade (ex: "ateus também fazem caridades" ou "muitos ateus são criminosos"). É claro que, se desejarem, alguns ateus podem ser bondosos, compassivos, solidários etc. Talvez devido ao fato de a maioria dos religiosos se identificar com esse tipo de moral sua típica ojeriza à palavra ateu possa ser um pouco amenizada; todavia, pretender que a bondade tenha, em si mesma, algum valor, que ofereça qualquer verossimilhança à posição, é, no mínimo, um absurdo. O mais "dogmático" dos ateísmos ainda não passa de uma mera negação ("Deus não existe", afirmativamente). Sendo assim, assumir um posicionamento ateísta remete-nos a um plano muito mais fundamental, muito mais abrangente. Em outras palavras, além de ser independente da moral, o ateísmo a precede em profundidade filosófica; ou seja, na melhor das hipóteses, somente será possível deduzir, individualmente, valores a partir do ateísmo, mas nunca o ateísmo a partir dos valores. Daí a impossibilidade de a bondade, por exemplo, servir de respaldo a ele; e o mesmo vale para objeções ao ateísmo baseadas em delitos cometidos por indivíduos ateus.
Até meados do século XIX, toda humanidade acreditava na existência de um "deus", exceto pequenos grupos intelectualizados reconhecidos por serem adeptos da teoria do livre - pensar, uma ideologia ceticista que ganhou notoriedade durante o período renascentista - final do século XIII - e espalhou influência por todo o mundo. Galileu Galilei, em 1616, provou ao mundo que a Terra girava em torno do sol - ao contrário do que estava escrito na Bíblia - sob ameaça de morte, o cientista fora induzido a se retratar. Por volta de 1720, Jean Meslier (1664 - 1729), um vigário de aldeia que viveu no norte da França, escreveu uma obra radical na qual preconizava a união dos oprimidos em torno do estrangulamento do último rei com as tripas do último padre. Era indignado contra as injustiças sociais cometidas contra os camponeses durante o reinado de Luís XIX. A solução por ele proposta para tais mazelas encontramos no seu manuscrito intitulado" Memória dos pensamentos e dos sentimentos de Jean Meslier" e nas "Cartas aos curtas". E consiste no ideal de uma sociedade fundamentada no ateísmo e na propriedade coletiva da terra. Do ponto de vista metafísico, Meslier nega categoricamente o dogma da criação do universo, por conseguinte, as idéias de divindade, transcendência e de providência ordenadora da natureza. Convém ressaltar que Meslier manteve o seu ateísmo e o seu ideário libertário no mais absoluto sigilo durante toda a sua existência, e que as suas convicções e os seus escritos apenas vieram à tona postumamente, causando um retubante escândulo.
Em 1859, Charles Darwin apresentou a Teoria da Evolução. A sociedade influenciada inicia um processo de confronto entre as evidências científicas e os dogmas religiosos. Surge o primeiro crescimento ostensivo do ateísmo no mundo. Em 1882, o filósofo ateu Friedrich Nietzsche (1844 - 1900) sinaliza este crescimento com a célebre frase publicada em Gaia Ciência: "Deus está morto! [...] e quem matou fomos nós!" O aforismo repercute internacionalmente e logo se inicia o movimento racionalista do século XIX, cuja principal característica, do ponto de vista religioso, foi a desvalorização da fé.
No século XX, o humanismo, impulsionado pela Revolução Industrial e pelo desenvolvimento capitalista substitui o racionalismo, mas a fé continua sendo considerada alienação. O mundo avança rumo ao progresso e a sociedade se distancia ainda mais de Deus. O ateísmo deixa de pertencer somente às classes intelectuais, influencia correntes filosóficas, os movimentos políticos - sociais como o liberalismo, a democracia, o anarquismo, o socialismo, e se infiltra fortemente, também, entre os grupos populares.
O ateísmo vem conquistando cada vez um maior número de adeptos, sobretudo nos países socioeconomicamente mais evoluídos. O diretor do Instituto World Values Surveys e cientista político da Universidade de Michigan, Ronald Inglehart, diz que nas sociedades caracterizadas pela carência na distribuição de alimentos, precariedade nos serviços públicos de saúde, de moradia etc., o índice de religiosidade tende a aumentar. Por outro lado, em nações onde há fartura e excelentes serviços nas áreas citadas, a fé tende ao desaparecimento. A hipótese já defendida pelo filósofo Karl Marx, em 1843, isto é, que o sofrimento produz religiosidade e a fartura o distanciamento de Deus, hoje pode ser visto quantitativamente através de pesquisas realizadas por sociólogos em todo planeta.
A criação de além-mundos não seria muito grave se seu preço não fosse tão alto: o esquecimento do real, portanto a condenável negligência do único mundo que existe. A miséria espiritual gera a renuncia a si mesmo, equivale às misérias sexuais, mentais, políticas, intelectuais. Grande parte dos homens fabulam, preferem as ficções tranquilizadoras para evitar olhar o real de frente. A credulidade dos homens supera o que se imagina. Se desejo de não enxergar a evidência, sua avidez por um espetáculo mais divertido, mesmo que pertença à mais absoluta ficção, sua vontade de cegueira não conhece limites. Antes fábulas, ficções, mitos, histórias para crianças do que assistir à revelação da crueldade real que obriga a suportar a evidência trágica do mundo. Para conjurar com a morte, o homo sapiens a exclui.
Desconstruir os monoteísmos, desmistificar o judeo-cristanismo e o islã, depois desmontar a teocracia, eis três impreendimentos inaugurais para a ateologia. Trabalhar em seguida uma nova ordem ética em que o corpo deixa de ser punição, a terra um vale de lágrimas, a vida uma catástrofe, o prazer um pecado, as mulheres uma maldição, a inteligência uma presunção, a volúpia uma danação.



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